sexta-feira, 10 de julho de 2015

Petrópolis e o transporte público

CRISE DO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO

    Em Petrópolis, como na maioria das cidades brasileiras, o modelo de transporte público (MTP) sofre um desgaste. Quando afirmamos que há esse desgaste é devido a observação na realidade objetiva:
       I – O modelo econômico depois da II Guerra baseou-se no sistema financeiro e tal modelo não mais permite o capitalismo se renovar. Inicialmente o capitalismo apresentou-se como uma alternativa histórica para aumentar as forças produtivas da sociedade, no feudalismo a produção era apenas de subsistência, produzindo pouco excedente. No capitalismo uma das características é a produção de mercadorias, ou seja, as forças produtivas do capitalismo permitem produzir mais que do que a sociedade necessita. Na fase do capitalismo financeiro, onde o sistema financeiro determina a produção, os banqueiros concentram um capital móvel tão volumoso e protegido pelo estado burguês que estes podem definir quais ramos da produção 'merecem' ser fomentados. O grande problema do capitalismo financeiro é a concentração de capital de forma a não produzir recursos para sociedade. No capitalismo, o capital, gerado pela exploração do trabalho produtivo, deveria voltar para desenvolver as forças produtivas, mas atualmente o capital acumula-se no sistema financeiro. 
      Por que descrever o capitalismo financeiro para falar de transporte público? Pois no Brasil, o lucro do MTP é idêntico ao modelo imposto pelos bancos. Esse modelo não está baseado na extração de mais-valia dos empregados, mas fundamentado na quantidade de capital acumulado: O banco empresta para uma empresa um montante de capital e recebe desse montante mais um porcentual do mesmo. Mas esse porcentual tem que vir de algum lugar; não é uma ideia, é uma quantidade real, então qual a origem desse percentual? Esse percentual, sim, vem da exploração da mais-valia: Uma indústria pega capital móvel de um banco, transforma-o em capital fixo, comprando meios de produção, matéria prima e pagando mão de obra, assim gera mercadoria e as vende voltando a ter capital móvel, porém em uma forma superior. Mas isso não gera capital per si, o capital é gerado, tomando uma parcela da diferença entre a venda das mercadorias, e os custo para produzi-la (soma dos custos da aquisição dos meios de produção, da matéria-prima e da mão de obra). A diferença é gerada pelo pagamento subestimado da mão de obra, ou seja, há uma parcela da mão de obra (uma quantidade de trabalho utilizada no processo de produção) que deveria voltar para o proletariado, mas fica com os proprietários dos meios de produção. Então, agora tem-se o capital necessário para pagar a parte de capital emprestado mais o percentual que exigido pelos bancos, além da parte necessária para renovar as forças produtivas.
      E o transporte público brasileiro?
   Da mesma forma que o sistema financeiro do MTP busca uma parte da mais-valia gerada no trabalho produtivo. Os capitalistas do sistema de transporte público (STP) recebem no Brasil até 12% do capital investido. Quando é feito o cálculo da tarifa são postos todos os custos da empresa:
  1) todo custo da mão de obra, desde o salário dos motoristas, cobradores e mecânicos, até o pagamento da diretoria da empresa, aqui soma-se os encargos sociais;
 2) matéria-prima (combustíveis, lubrificantes, peças da oficina, pneus, etc.).
 3) depreciação do capital (é posto um percentual do capital - preço dos veículos, máquinas, instalações e equipamentos) na tarifa para que não haja diminuição do capital, pois há depreciação natural no desgaste desse capital fixo;
 4) e, por fim, é posto na tarifa um porcentual de até 12% sobre o valor dos veículos (bilhetagem eletrônica, almoxarifado, máquinas e instalações).
   Com esse modelo não há necessidade do MDT se tornar eficiente (mesmo dentro do capitalismo), pois basta aumentar capital para ter mais lucro. Não é necessária a redução de custos no momento do cálculo tarifário, porém, depois de calculado, ela se faz de modo a precarizar o sistema, demitindo os cobradores e acumulando nos motoristas a dupla função, sem a devida remuneração. Então quanto mais precário o sistema maior é o lucro; quanto menos eficiente o sistema de transporte melhor é para os empresários, pois se houver congestionamentos em que os veículos ficam parados as empresas 'resolvem o problema' colocando mais veículos e assim aumentando o capital investido, consequentemente, maior lucro. Além do fato de que, mesmo que os veículos tenham idade superior a 10 anos (como no caso de Petrópolis), continuam a receber remuneração sobre o capital investido, fazendo com que a frota seja antiga e de péssima qualidade. Então, na faceta usuário, MTP e acúmulo de capital, fica claro o desgaste que o STP apresenta em nível nacional.
   II – Há um aumento significativo no número de greve dos rodoviários, apresentando também o desgaste do STP, porém essa faceta possui outra origem. A origem da faceta “empresa x empregado” é muito mais complexa do que um problema estrutural do MTP. Pois esse desgaste possui uma forte conexão com a crise do modelo econômico. No item I) podemos apresentar algumas características bem específicas do MTP brasileiro, porém as greves não têm origem nesse modelo, e sim bases diretamente ligadas à crise estrutural do capitalismo, que está deflagrada na sociedade como um todo. Claro que as greves sofrem influências do MTP brasileiro, que cria um ambiente em que se evidencia a contradição “usuário x empresa”, e com isso põem em cheque o atual modelo, mas as greves e reivindicações apresentam a crise entre os trabalhadores com os empresários do STP. A precarização dos salários de todos os trabalhadores brasileiros está se evidenciando, não é diferente entre os trabalhadores das empresas de transporte público.



PETRÓPOLIS

   Em Petrópolis não pode ser diferente da maioria das cidades brasileiras, já que o MTP não apresenta diferenças estruturais. Podemos afirmar que, dentro da burocracia burguesa, Petrópolis está à frente de muitas cidades brasileiras, mas isso não significa que o STP petropolitano é melhor. Na cidade, anualmente é apresentado para o Conselho Municipal de Transito e Transporte (COMUTRANS), uma planilha de custos, juntamente com o pedido de reajuste da tarifa, e também a Empresa de trânsito de Petrópolis (CPTrans), faz uma planilha com base nos dados fornecidos pelas empresas (quantidade de passageiros, consumo de combustível, etc.), bem como dados obtidos no mercado (preço dos veículos, preço dos combustíveis). Aqui é um exemplo de que está mais 'à frente' de muitos municípios, pois na maioria das cidades as tais planilhas não existem ou não são divulgadas, ficando apenas com a burocracia estatal-burguesa.
    Nos últimos anos, os valores da tarifa foram reajustados conforme a planilha da CPTrans, mas não podemos ter a ilusão de que ela impõe sua vontade 'técnica' às empresas, pois há um diálogo entre essas duas forças (CPTrans na figura do poder executivo de Petrópolis e os empresários dos transportes públicos) de forma a satisfazer os caprichos da burguesia. 
    Sem análise de peso moral, podemos ver na atuação da CPTrans o caráter de classe do estado (município), pois mesmo havendo um conselho (COMUTRANS), para discutir sobre o reajuste, quem decide de fato são as empresas com o suporte 'técnico' do município (CPTrans), pois os membros do conselho não possuem recursos para verificar de forma profissional a legitimidade das planilhas e nem possuem competência técnica para entendê-las na sua totalidade. 
   O município, com sua expressão explicita de classe, busca fazer do conselho um instrumento para esconder o real poder que a burguesia tem sobre a sociedade. Com a apresentação das planilhas de custo das empresas o conselho com sua fragilidade e incompetência (não pejorativamente, mas na capacidade prática), serve como um meio para atrapalhar a busca real da solução do problema no STP em Petrópolis, serve como um instrumento para dizer que há espaço para sociedade civil organizada participar e decidir, porém de fato é uma ilusão, como toda 'democracia burguesa'. As empresas e o governo possuem um número majoritário de cadeiras no conselho, e como a face do governo é a face da burguesia, a sociedade civil possui pouca expressão. O conselho funciona como uma fumaça, que quando a população de fato se aproxima do problema, sua possibilidade de enxergar fica comprometida, pois a visibilidade fica comprometida pela barreira burocrática. 
    Porém, um fato novo se apresentou: a contradição “usuário x empresa” e “empregado x empresa”, chegou a um ponto insustentável. Culminando na greve de 2014 e nas manifestações em 2014-2015, em relação ao aumento do valor da tarifa, o Estado burguês e as empresas, então como solução ortodoxa e burocrática fizeram um grupo mais reduzido, com participação dos membros do COMUTRANS interessados em 'resolver' o problema. Ou seja, a CPTrans (representando o corpo 'técnico' da burocracia municipal) e os empresários. Agora o mundo é perfeito, a burguesia e o governo podem decidir, pois de fato são quem conhecem a dinâmica do STP em Petrópolis e possuem interesses em comum: manter a ordem capitalista e a governabilidade (não agravar a crise) estrutural e posteriormente levar para o COMUTRANS as resoluções e o conselho, sem possibilidade de compreender o real interesse, aprova as resoluções. 
     Cabe ressaltar que o usuário do STP não o utiliza porque quer, ou considera uma forma otimizada, o faz porque é o meio mais econômico para ele, e como normalmente quem utiliza o STP são trabalhadores, ou a camada mais fragilizada, não há opção. Quem usa, o faz porque precisa, e não por escolha. Como saída para uma crise, o que faz o sistema burguês? Explora quem tem mais fragilidade, os usuários. Pois atualmente o grupo de discussões busca formas de acabar com as 'fraudes', como por exemplo um trabalhador que estuda à noite recebe o direito de utilizar duas passagens por dia e com a bilhetagem eletrônica, notou-se que este usuário utiliza a passagem às 7:00h e às 17:00h, logo esse cidadão está utilizando o vale transporte estudantil para ir e voltar do trabalho e, como a escola é próximo a sua casa, pode ir caminhando sem a necessidade de embarcar num ônibus, esse exemplo foi retardado como uma fraude no sistema, pense o caráter de exploração que está embutido nessa lógica. A solução no sistema burguês sempre é a austeridade. A discussão atual são novas formas de fiscalização para que o sistema de pagamento da tarifa seja menos fraudulento. Esse é o caráter conservador que o capitalismo no nível atual apresenta. 
     Deveríamos buscar formas de diminuir custos e de melhorias na operação com o intuito de aperfeiçoar para o usuário a utilização do transporte público. Uma forma que mesmo sendo reformista, merece ser apresentada é a que deveríamos ter um sistema onde não houvesse catraca, ou seja, não seria pago pelo usuário no momento da utilização. Considero reformista se não destruir as amarras que esse modelo pode apresentar com o capitalismo, pois podemos encontrar uma forma que a contradição “usuário x empresa” seja transferida para “usuário x estado”, fazendo o estado cobrar impostos e depois repassar para empresas, sem de fato abalar as estruturas do capitalismo, pois assim elas continuariam a possuir lucros, mas agora sem os conflitos gerados pela contradição que há ao cobrar a tarifa individualmente; mesmo assim, a proposta é muito válida no sentido de otimizar o processo, diminuindo custos na operação e permitindo que os trabalhadores do STP possam trabalhar menos horas por dia, transferindo os cobradores para a função de motorista, mantendo o número de profissionais e diminuindo o número de horas trabalhadas, mas para que isso aconteça é necessário uma ruptura, aqui há uma postura revolucionária, ou seja, entendemos que é necessário uma nova forma de gestão das empresas, onde a remuneração do capital não tenha como objetivo o acúmulo de capital, mas a aplicação de desenvolvimento das forças produtivas, remunerando melhor os trabalhadores e buscando formas melhores para os usuários. 
    Entendemos que um modelo onde os trabalhadores e a comunidade (usuários) detêm o controle do STP, será de fato a saída para a crise que há atualmente, pois rompe com o item I), buscando formas de atualizar o MTP, de forma a romper com as estruturas advindas da especificidade do transporte público, e do item II), pois busca uma saída para novas formas de organização econômica da sociedade, um modo socialista de se pensar a economia, e as necessidades da população. Pensamos que o controle da empresa não pode estar na mão de quem detêm o capital, mas de quem trabalha, e de quem utiliza o recurso. O controle deve estar na mão do povo

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