CRISE DO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO
Em Petrópolis, como na maioria das cidades brasileiras, o modelo de
transporte público (MTP) sofre um desgaste. Quando afirmamos que há esse
desgaste é devido a observação na realidade objetiva:
I – O modelo econômico depois da
II Guerra baseou-se no sistema financeiro e tal modelo não mais permite o
capitalismo se renovar. Inicialmente o capitalismo apresentou-se como uma
alternativa histórica para aumentar as forças produtivas da sociedade, no
feudalismo a produção era apenas de subsistência, produzindo pouco excedente.
No capitalismo uma das características é a produção de mercadorias, ou seja, as forças produtivas do capitalismo permitem produzir mais
que do que a sociedade necessita. Na fase do
capitalismo financeiro, onde o sistema financeiro determina a produção, os
banqueiros concentram um capital móvel tão volumoso e protegido pelo estado
burguês que estes podem definir quais ramos da produção 'merecem' ser
fomentados. O grande problema do capitalismo financeiro é a concentração de
capital de forma a não produzir recursos para sociedade. No capitalismo, o
capital, gerado pela exploração do trabalho produtivo, deveria voltar para
desenvolver as forças produtivas, mas atualmente o capital acumula-se no
sistema financeiro.
Por que descrever o capitalismo financeiro para falar de
transporte público? Pois no Brasil, o lucro do MTP é idêntico ao modelo imposto
pelos bancos. Esse modelo não está baseado na extração de mais-valia dos
empregados, mas fundamentado na quantidade de capital acumulado: O banco
empresta para uma empresa um montante de capital e recebe desse montante mais
um porcentual do mesmo. Mas esse porcentual tem que vir de algum lugar; não é
uma ideia, é uma quantidade real, então qual a origem desse percentual? Esse
percentual, sim, vem da exploração da mais-valia: Uma indústria pega capital
móvel de um banco, transforma-o em capital fixo, comprando meios de produção,
matéria prima e pagando mão de obra, assim gera mercadoria e as vende voltando
a ter capital móvel, porém em uma forma superior. Mas isso não gera capital per
si, o capital é gerado,
tomando uma parcela da diferença entre a venda das mercadorias, e os custo para
produzi-la (soma dos custos da aquisição dos meios de produção, da
matéria-prima e da mão de obra). A diferença é gerada pelo pagamento
subestimado da mão de obra, ou seja, há uma parcela da mão de obra (uma
quantidade de trabalho utilizada no processo de produção) que deveria voltar
para o proletariado, mas fica com os proprietários dos meios de produção.
Então, agora tem-se o capital necessário para pagar a parte de capital
emprestado mais o percentual que exigido pelos bancos, além da parte necessária
para renovar as forças produtivas.
E o transporte público brasileiro?
Da mesma
forma que o sistema financeiro do MTP busca uma parte da mais-valia gerada no
trabalho produtivo. Os capitalistas do sistema de transporte público (STP)
recebem no Brasil até 12% do capital investido. Quando é feito o cálculo da
tarifa são postos todos os custos da empresa:
1) todo custo da mão de obra,
desde o salário dos motoristas, cobradores e mecânicos, até o pagamento da
diretoria da empresa, aqui soma-se os encargos sociais;
2) matéria-prima (combustíveis, lubrificantes, peças da oficina, pneus,
etc.).
3) depreciação do capital (é posto um
percentual do capital - preço dos veículos, máquinas, instalações e
equipamentos) na tarifa para que não haja diminuição do capital, pois há
depreciação natural no desgaste desse capital fixo;
4) e, por fim, é posto na tarifa
um porcentual de até 12% sobre o valor dos veículos (bilhetagem eletrônica,
almoxarifado, máquinas e instalações).
Com esse modelo não há necessidade do MDT se tornar eficiente (mesmo
dentro do capitalismo), pois basta aumentar capital para ter mais lucro. Não é
necessária a redução de custos no momento do cálculo tarifário, porém, depois
de calculado, ela se faz de modo a precarizar o sistema, demitindo os
cobradores e acumulando nos motoristas a dupla função, sem a devida
remuneração. Então quanto mais precário o sistema maior é o lucro; quanto menos
eficiente o sistema de transporte melhor é para os empresários, pois se houver
congestionamentos em que os veículos ficam parados as empresas 'resolvem o
problema' colocando mais veículos e assim aumentando o capital investido,
consequentemente, maior lucro. Além do fato de que, mesmo que os veículos
tenham idade superior a 10 anos (como no caso de Petrópolis), continuam a
receber remuneração sobre o capital investido, fazendo com que a frota seja
antiga e de péssima qualidade. Então, na faceta usuário, MTP e acúmulo de
capital, fica claro o desgaste que o STP apresenta em nível nacional.
II – Há um aumento significativo no número de greve dos rodoviários,
apresentando também o desgaste do STP, porém essa faceta possui outra origem. A
origem da faceta “empresa x empregado” é muito mais complexa do que um problema
estrutural do MTP. Pois esse desgaste possui uma forte conexão com a crise do
modelo econômico. No item I) podemos apresentar algumas características bem
específicas do MTP brasileiro, porém as greves não têm origem nesse modelo, e
sim bases diretamente ligadas à crise estrutural do capitalismo, que está
deflagrada na sociedade como um todo. Claro que as greves sofrem influências do
MTP brasileiro, que cria um ambiente em que se evidencia a contradição “usuário
x empresa”, e com isso põem em cheque o atual modelo, mas as greves e reivindicações
apresentam a crise entre os trabalhadores com os empresários do STP. A
precarização dos salários de todos os trabalhadores brasileiros está se
evidenciando, não é diferente entre os trabalhadores das empresas de transporte
público.
Em Petrópolis não pode ser diferente da maioria das cidades brasileiras,
já que o MTP não apresenta diferenças estruturais. Podemos afirmar que, dentro
da burocracia burguesa, Petrópolis está à frente de muitas cidades brasileiras,
mas isso não significa que o STP petropolitano é melhor. Na cidade, anualmente
é apresentado para o Conselho Municipal de Transito e Transporte (COMUTRANS),
uma planilha de custos, juntamente com o pedido de reajuste da tarifa, e também
a Empresa de trânsito de Petrópolis (CPTrans), faz uma planilha com base nos
dados fornecidos pelas empresas (quantidade de passageiros, consumo de
combustível, etc.), bem como dados obtidos no mercado (preço dos veículos,
preço dos combustíveis). Aqui é um exemplo de que está mais 'à frente' de muitos
municípios, pois na maioria das cidades as tais planilhas não existem ou não são divulgadas, ficando apenas com a burocracia estatal-burguesa.
Nos últimos anos, os
valores da tarifa foram reajustados conforme a planilha da CPTrans, mas não
podemos ter a ilusão de que ela impõe sua vontade 'técnica' às empresas, pois
há um diálogo entre essas duas forças (CPTrans na figura do poder executivo de
Petrópolis e os empresários dos transportes públicos) de forma a satisfazer os
caprichos da burguesia.
Sem análise de peso moral, podemos ver na atuação da
CPTrans o caráter de classe do estado (município), pois mesmo havendo um
conselho (COMUTRANS), para discutir sobre o reajuste, quem decide de fato são
as empresas com o suporte 'técnico' do município (CPTrans), pois os membros do
conselho não possuem recursos para verificar de forma profissional a
legitimidade das planilhas e nem possuem competência técnica para entendê-las
na sua totalidade.
O município, com sua expressão explicita de classe, busca
fazer do conselho um instrumento para esconder o real poder que a burguesia tem
sobre a sociedade. Com a apresentação das planilhas de custo das empresas o
conselho com sua fragilidade e incompetência (não pejorativamente, mas na
capacidade prática), serve como um meio para atrapalhar a busca real da solução
do problema no STP em Petrópolis, serve como um instrumento para dizer que há
espaço para sociedade civil organizada participar e decidir, porém de fato é
uma ilusão, como toda 'democracia burguesa'. As empresas e o governo possuem um
número majoritário de cadeiras no conselho, e como a face do governo é a face
da burguesia, a sociedade civil possui pouca expressão. O conselho funciona
como uma fumaça, que quando a população de fato se aproxima do problema, sua
possibilidade de enxergar fica comprometida, pois a visibilidade fica
comprometida pela barreira burocrática.
Porém, um fato novo se apresentou: a
contradição “usuário x empresa” e “empregado x empresa”, chegou a um ponto
insustentável. Culminando na greve de 2014 e nas manifestações em 2014-2015, em
relação ao aumento do valor da tarifa, o Estado burguês e as empresas, então
como solução ortodoxa e burocrática fizeram um grupo mais reduzido, com
participação dos membros do COMUTRANS interessados em 'resolver' o problema. Ou
seja, a CPTrans (representando o corpo 'técnico' da burocracia municipal) e os
empresários. Agora o mundo é perfeito, a burguesia e o governo podem decidir,
pois de fato são quem conhecem a dinâmica do STP em Petrópolis e possuem
interesses em comum: manter a ordem capitalista e a governabilidade (não
agravar a crise) estrutural e posteriormente levar para o COMUTRANS as
resoluções e o conselho, sem possibilidade de compreender o real interesse,
aprova as resoluções.
Cabe ressaltar que o usuário do STP não o utiliza porque
quer, ou considera uma forma otimizada, o faz porque é o meio mais econômico
para ele, e como normalmente quem utiliza o STP são trabalhadores, ou a camada
mais fragilizada, não há opção. Quem usa, o faz porque precisa, e não por
escolha. Como saída para uma crise, o que faz o sistema burguês? Explora quem tem
mais fragilidade, os usuários. Pois atualmente o grupo de discussões busca
formas de acabar com as 'fraudes', como por exemplo um trabalhador que estuda à
noite recebe o direito de utilizar duas passagens por dia e com a bilhetagem
eletrônica, notou-se que este usuário utiliza a passagem às 7:00h e às 17:00h,
logo esse cidadão está utilizando o vale transporte estudantil para ir e voltar
do trabalho e, como a escola é próximo a sua casa, pode ir caminhando sem a
necessidade de embarcar num ônibus, esse exemplo foi retardado como uma fraude
no sistema, pense o caráter de exploração que está embutido nessa lógica. A
solução no sistema burguês sempre é a austeridade. A discussão atual são novas
formas de fiscalização para que o sistema de pagamento da tarifa seja menos
fraudulento. Esse é o caráter conservador que o capitalismo no nível atual
apresenta.
Deveríamos buscar formas de diminuir custos e de melhorias na
operação com o intuito de aperfeiçoar para o usuário a utilização do transporte
público. Uma forma que mesmo sendo reformista, merece ser apresentada é a que
deveríamos ter um sistema onde não houvesse catraca, ou seja, não seria pago
pelo usuário no momento da utilização. Considero reformista se não destruir as
amarras que esse modelo pode apresentar com o capitalismo, pois podemos
encontrar uma forma que a contradição “usuário x empresa” seja transferida para
“usuário x estado”, fazendo o estado cobrar impostos e depois repassar para
empresas, sem de fato abalar as estruturas do capitalismo, pois assim elas
continuariam a possuir lucros, mas agora sem os conflitos gerados pela
contradição que há ao cobrar a tarifa individualmente; mesmo assim, a proposta
é muito válida no sentido de otimizar o processo, diminuindo custos na operação
e permitindo que os trabalhadores do STP possam trabalhar menos horas por dia,
transferindo os cobradores para a função de motorista, mantendo o número de
profissionais e diminuindo o número de horas trabalhadas, mas para que isso
aconteça é necessário uma ruptura, aqui há uma postura revolucionária, ou seja,
entendemos que é necessário uma nova forma de gestão das empresas, onde a
remuneração do capital não tenha como objetivo o acúmulo de capital, mas a
aplicação de desenvolvimento das forças produtivas, remunerando melhor os
trabalhadores e buscando formas melhores para os usuários.
Entendemos que um
modelo onde os trabalhadores e a comunidade (usuários) detêm o controle do STP,
será de fato a saída para a crise que há atualmente, pois rompe com o item I),
buscando formas de atualizar o MTP, de forma a romper com as estruturas
advindas da especificidade do transporte público, e do item II), pois busca uma
saída para novas formas de organização econômica da sociedade, um modo
socialista de se pensar a economia, e as necessidades da população. Pensamos
que o controle da empresa não pode estar na mão de quem detêm o capital, mas de
quem trabalha, e de quem utiliza o recurso. O controle deve estar na mão do
povo